A Terra, a Lua e a Gravitação Universal
Por Renato da Silva Oliveira
Este texto foi gerado para um fanzine nos anos 90 e é reproduzido aqui praticamente sem alterações. A ideia era dar subsídios para explicar aos leitores que astronautas não “flutuam” e que não há, realmente, “ausência de peso” no espaço.
Você vai ler, agora, um texto sobre a teoria da Gravitação Universal. Ela foi formulada há cerca de 350 anos e explica convincentemente o que acontece com os astronautas em órbita da Terra.
Em julho de 1969, pela primeira vez desde sempre, um ser vivo procedente da Terra tocou outro astro.
A Lua continua sendo, até nossos dias, o único astro já visitado pela humanidade. A grandiosidade do fato fica reduzida se não concebermos as dificuldades impostas pela distância e pelo ambiente inóspito do espaço para além da atmosfera de nosso planeta.
Vistas do espaço, a Terra e a Lua são duas esferas, uma mais colorida e escura e outra mais brilhante e acinzentada, girando uma ao redor da outra. A Terra é cerca de 50 vezes maior que a Lua. Sua massa (grosseiramente podemos entender “massa” como uma “medida” da “quantidade de matéria” de um corpo) é 81 vezes maior que a da Lua. A Terra é, certamente, o principal astro do par. E por isso, chama-se a Lua, como astro periférico e de menor importância, de “satélite”. A Lua é um satélite natural da Terra.
Na figura abaixo estão representadas a Terra e a Lua na proporção correta. Se adotarmos como medida de distância o diâmetro da Lua, o da Terra será quase 4 vezes maior e a distância entre os dois astros será cerca de 110 vezes maior (ou quase 30 vezes o diâmetro da Terra).

A Terra, por ser maior e ter mais matéria que a Lua, desloca-se menos nessa dança que ambas realizam, rodopiando como crianças num currupião, unidas pelos braços invisíveis de uma misteriosa força de atração, de ação instantânea e agindo à distância. Isaac Newton, talvez o maior dos físicos de todos os tempos, dizia que essa estranha força, a gravidade, era como os “sensórios de Deus”. Foi Newton quem descobriu e enunciou, pela primeira vez, como a gravidade se comporta entre dois corpos.
Basicamente, ele disse que essa força é sempre atrativa e só existe entre corpos com massa: quanto maior as massas, maior a força.
Dobre-se a massa de um dos corpos, e a força dobrará também. Diminua-se pela metade a massa de um dos corpos e a força também será reduzida ao meio.
Podemos escrever isso em linguagem matemática. Antes de mais nada precisamos “nomear” com símbolos as grandezas envolvidas: F representará “Força”, M1 representará a “Massa” de um dos corpos e M2 representará a massa do outro corpo.

O que está “escrito” nessa expressão (que NÃO é uma equação) é simplesmente que a força F é proporcional ao produto das duas massas M1 e M2.

Além disso, Newton disse que quanto menor a distância, maior a força e quanto maior a distância, menor a força: a gravidade diminui conforme a distância aumenta. Não de maneira assim tão simples…
Quando a distância aumenta, por exemplo, dobrando o valor inicial, a gravidade diminui 4 vezes; se a distância aumentar 3 vezes, a gravidade diminui 9 vezes.
O fator de aumento ou diminuição da força é sempre o inverso do quadrado do fator de variação da distância.
O quadro na parte inferior esquerda da ilustração mostra a expressão matemática do comportamento da força gravitacional F com a distância d entre os astros: a força F diminui com o quadrado da distância d entre os corpos; ou ainda, a força F é inversamente proporcional ao quadrado da distância d entre os corpos.
Você deve ter percebido que, quando consideramos a distância entre corpos, estamos de fato usando a distância entre o centro de um e o centro de outro. Newton também fazia isso e podemos até justificar com rigor essa atitude. Não erramos ao fazer isso!
Juntando os dois comportamentos da força da gravidade, com as massas e com a distância, numa frase só, podemos enunciar a Lei da Gravitação de Newton:
“Dois corpos interagem gravitacionalmente com uma força atrativa proporcional às suas massas e inversamentew proporcional ao quadrado da distância entre eles.”
Em linguagem matemática isso ficaria assim:

O símbolo significa “é proporcional à ” e funciona “quase” como um “verbo” numa frase.
Podemos, ainda, escrever isso de outra maneira, usando uma equação:

O símbolo = significa “é igual à” e torna a expressão uma “equação”, ou “igualdade”. Note que para podermos transformar a expressão de proporcionalidade numa igualdade tivemos que introduzir um novo símbolo, a letra G, que é chamado de “constante de proporcionalidade”, porque ajusta os valores numéricos da equação. Essa constante é conhecida como “Constante Universal de Gravitação” ou ainda “Constante da Gravitação Universal”. Apesar de as duas expressões acima dizerem praticamente a mesma coisa, a equação é mais precisa.
É a gravidade que mantém “próximas” a Lua e a Terra. Essa interação, que se dá através do espaço vazio entre os dois astros, é da mesma natureza da interação que nos faz sentirmo-nos atraídos para o chão. Nosso peso é a conseqüência da atração mútua entre nossos corpos e a Terra.
Mas, então, se a Terra atrai a Lua (e a Lua atrai a Terra) da mesma maneira que nós somos atraídos pela Terra, por que ela não cai sobre a Terra?
Muito boa a pergunta, mas o fato é que a Lua cai permanentemente sobre a Terra! Se a Terra fosse plana, a Lua, em seu movimento curvo, quase circular, cairia ao solo rapidamente. A Lua cai em trajetória curva, mas a própria Terra é curva, e sua superfície quase esférica “foge” à queda da Lua.
Não se esqueça de que a Lua está continuamente girando ao redor do nosso planeta, movendo-se pelo espaço quase paralelamente à superfície.
Observe o desenho abaixo, muito parecido com o que o próprio Newton fez há mais de 350 anos.

Ele ilustra uma experiência “hipotética”. Imagine (os cientistas vivem fazendo isso) que um canhão muito poderoso esteja instalado no alto de uma montanha muito… muito alta!
Atirando com pouca pólvora (A), o canhão consegue lançar a bala apenas perto da montanha.
Com mais força (B e C), a bala cai mais longe.
E com mais força ainda (D e E), ela cai… cai… cai… mas o chão é curvo! E a bala nunca o alcança. A bala entra em órbita, tal como a Lua; tal como os satélites artificiais; tal como os astronautas em órbita da Terra… suas naves…
E se a força for maior ainda (F), a bala escapa para o espaço.
Quando estão em órbita da Terra, por estarem permanentemente caindo, as naves e os astronautas dentro delas praticamente não possuem movimento, uns em relação aos outros.
Os astronautas parecem “flutuar” no espaço (apenas parecem, pois “flutuar” significa outra coisa; barcos flutuam; balões flutuam; astronautas em órbita não).

Podemos ter uma vaga ideia da sensação que os astronautas em órbita, se imaginarmos que estamos num elevador, no 25o andar, quando, de repente, os cabos de aço são cortados. No espaço, essa sensação de queda livre é permanente.
Essa situação, de queda livre, é chamada pelos engenheiros e astronautas de “microgravidade”, ou “gravidade zero”, ou “gravidade nula”, ou “ausência de gravidade”, ou, simplesmente, “g zero”. Os físicos se referem a ela como “estado de imponderabilidade”, porque nele não é possível “medir” pesos com balanças e os objetos são imponderáveis.
Da mesma maneira que outras tantas expressões usadas pelos técnicos, estas também têm um significado muito especial e distante do que se pode entender delas apenas interpretando-as literalmente.
Não se deve utilizá-las sem o devido entendimento e fora do contexto em que se aplicam. Os filósofos e os jornalistas vivem fazendo isso com termos emprestados do jargão da Ciência e das tecnologias. Usam-nos sem saber ao certo o que significam e dizem e escrevem absurdos impunemente. Mesmo alguns cientistas fazem coisa semelhante quando tentam impor ao uso cotidiano, da linguagem coloquial, os mesmos significados que usam para termos como “peso”, “normal”, “rocha”, “doutor”, “mestre”, etc.
Quando um engenheiro espacial fala em “microgravidade”, não está, certamente, querendo dizer que a gravidade é muito pequena ou coisa parecida. Ele sabe que a gravidade existe em todo o espaço, em todo o Universo, permeando corpos, agindo ao redor e através, perto ou longe deles. O engenheiro está, sim, se referindo à situação em que a gravidade não é percebida. De maneira mais adequada, a tal de “microgravidade” deveria ser chamada de “estado de imponderabilidade”. De maneira análoga, quando o engenheiro trata o mestre e obras por mestre, ele tem plena ciência de que ele não precisou fazer um mestrado em alguma universidade para ser tratado assim.
A percepção de que as mesmas regras que valem para a física terrestre — o despencar de uma maçã de uma árvore, por exemplo — valem também para a Lua, para os planetas e para as estrelas, foi uma gigantesca conquista da Ciência. Agradecemos à Newton por isso; pela realização de uma estupenda redução de conceitos e regras díspares e aparentemente desconexas a um conjunto singelo de conceitos e regras, matematicamente, simples; pela grandiosa generalização da aplicabilidade dessas regras.
Reduzir a conceitos e regras cada vez mais simples e generalizar a aplicação dessas regras à maior extensão espaço-temporal tem sido a função do cientista desde sempre e até nossos dias.
De fato, além de valerem para nós, bem próximos da superfície da Terra, e para a Lua não tão próxima, essas mesmas regras valem também para os planetas, para o Sol, para todas as estrelas e galáxias, e para todos os demais astros; valem para quaisquer corpos em todo o Universo!
A Lei da Gravitação de Newton, por isso, é também chamada de “Lei da Gravitação Universal”.
A capacidade de generalização (fazer afirmações sobre como a gravidade se comporta em todo o Universo, por exemplo) a partir de conhecimentos obtidos através de cuidadosas observações e experimentações limitadas às proximidades da Terra (como a queda de uma maçã), é uma característica típica da Ciência. Sempre que um cientista consegue fazer uma generalização, sempre que consegue reduzir conceitos, hipóteses e regras diversas a uma menor quantidade de conceitos, hipóteses e regras mais simples, ele sabe que deu um grande passo adiante.
A Teoria da Gravitação de Newton é limitada. Ela está longe de explicar todos os tipos de fenômenos físicos — mesmo fenômenos mecânicos. Entretanto, além de explicar muitos fenômenos e resolver muitos dos problemas com os quais nos deparamos aqui na Terra, a Teoria da Gravitação nos permite enviar sondas espaciais a centenas de milhões de quilômetros da Terra, com uma precisão espantosamente grande. Quando uma nave é lançada aqui da Terra em direção à Marte, por exemplo, a maior parte de sua trajetória ocorre guiada apenas pela Leia da Gravitação Universal.