Voilà, Magnifique Romildo!
por Orlando Rodrigues Ferreira
O autor, apesar de considerar o idioma como algo dinâmico, optou por não adotar o novo acordo ortográfico para a língua portuguesa por julgar não ser este totalmente adequado, além de contrariar estilos de linguagem, cultura e nacionalidade. Solicita-se, portanto, manter o presente texto na grafia original após eventuais revisões.
Quando perdemos um amigo ficamos tristes pelo fato deste levar consigo um pouco do nosso próprio desejo de viver, algo importante que partilhávamos, muito ou pouco, com ele. Entretanto, devemos pensar que, de nosso amigo, permanece o legado da sua alegria e felicidade de vida, por isso, nossa tristeza não se justifica plenamente.
Por que ficamos dolentes e, muitas vezes, choramos se fomos agraciados com algo que, apesar de intangível e imponderável, tanto nos acrescenta humanamente? Como outros que partiram sem nos avisar, Romildo Póvoa Faria deixou-nos essa mesma dúvida e, igualmente, a transmitiremos para outros no futuro incerto. Logo, resta-nos unicamente a certeza das incertezas da vida e, para muitos, essas dúvidas serão esclarecidas no poente sob o ósculo afetuoso da morte.
Astrônomo e boêmio na medida exata foi Romildo, ademais – a maior das suas virtudes – ser mineiro de Manhuaçu, detentor, desse modo, de qualidades intimamente vinculadas à noite, às estrelas, aos sentimentos, à sabedoria, à quietude, às afinidades relacionadas à vida e, por conseqüência, ao Universo. Qual astrônomo deixaria de contemplar os astros e prosear com a Lua degustando uma excelente vodka? Qual boêmio não versejaria à pessoa amada e, no seu poema, deixasse de compará-la às belezas do firmamento? Romildo, certamente, não cometeria essas heresias como bom entendedor que era das coisas dos céus e das pessoas, pois era humano no sentido lato da palavra e, se viveu intensamente, era porque o próprio Universo é intenso em suas múltiplas manifestações e possibilidades, sendo que, para isso, não depende nem um pouco de algum hipotético deus para se manifestar à humanidade.
Boas prosas deste ateu com o agnóstico Romildo – fundador e auto-instituído papa da pitoresca Igreja Poliédrica da Esfera Sem Leste –, quase sempre acompanhas de vodka, congnac e cerveja nas mesas dos bares de Campinas. Agora, existe uma cadeira vazia no City Bar e aquela nova estrela reluzindo no céu nada mais é que uma perene pedra de gelo num eterno copo de vodka sendo sorvido pelo Romildo (Cerveja? Só em copo americano) que, quando inebriado, exaltado abraçava e se manifestava carinhosamente para algum amigo querido, adjetivando-o jocosamente com sua voz de tenor, pausada e empostada: “—Seu grande filho-da-puta!”. Derradeiramente, os amigos filhos-dasputas, calhordas, cafajestes, boêmios, astrônomos e toda uma fauna de notívagos neste momento estão com os corações contidos num buraco negro.
Descrever Romildo como astrônomo competente, com curriculum extenso e invejável, com elevado nível intelectual e vida dedicada à ciência e à cultura seria discorrer sobre o óbvio; sua participação em planetários, observatórios, universidade e toda uma extensa relação de instituições culturais é ainda mais fácil de ser relacionada, porquanto, digressão maior. No entanto, o Romildo por ele só, com suas virtudes e defeitos, com suas alegrias desveladas e melancolias abissais, com seus sonhos realizados e outros desfeitos, com seus prelúdios e desfechos, com suas auroras e ocasos, próximo e apartado, talvez seja mais difícil, ou melhor, é impossível. Mas, o que é o impossível no Universo? A melhor – e única – pessoa para desvendar o Romildo foi-se com ele: o próprio. Nós, que ficamos, atuamos somente como meros coadjuvantes em sua existência de quase 57 anos sobre esta (in)significante poeira cósmica, a Terra. Porém, o que são 57 anos perante um Universo por volta de 15 bilhões de anos, conforme a constante de Hubble definida.
Frase que, mesmo não sendo de sua autoria, Romildo, entre outros astrônomos, constantemente pronunciava procurando expressar a condição humana no Universo: “—Somos filhos das estrelas e irmãos das pedras.” Assim, alentando-me, penso que Romildo não morreu, apenas foi ao solo transmutando-se em pedra para, oportunamente na cozinha cósmica, tornar ao útero do fogão Sol, posto que, em determinado sentido, considero que somos, literalmente, bolinhos de gente oriundos do âmago solar. Quantos cozinheiros celestes estarão neste momento amalgamando formas de vida para serem cozidas nos incontáveis – incontáveis, mesmo! – fornos estelares? São crepes de Romildos, bolos de Nicolinis, nhoques de Maritos, pães de Azevedos, lasanhas de Einsteins, assados de Giordanos (Ops!), risotos de Galileus e muito mais. Por fim, todos somos – e continuaremos a ser! – ingredientes dessa rica e maravilhosa culinária (g)astronômica, resultando constantemente em acepipes que nenhum chef ou connaisseur poderá criticar e, querendo ou não, deixar de saborear.
Portanto, ao amigo e confrade astrônomo agradeço pelo legado da sua alegria e felicidade que reforçam minha aspiração de viver no que me resta ao porvir. Brindo sozinho e silente com um legítimo cognac francês: Voilà, magnifique, Romildo!